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sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Estórias Nordestinas: O Sogro

MARIA, DO CRATO PARA O MUNDO

Nos idos de 1937, Dona Nenzinha e os 4 filhos esperavam o vapor em Petrolina (Pernambuco), para fazer a travessia do Rio São Francisco até Juazeiro na Bahia, onde estava o marido, seu Joaquim Passos, quando a filha Maria fugiu. 

Maria não estava feliz.. tinha sido obrigada a largar o noivo que amava, um mestiço de índio, fazendeiro rico, grande, forte, cabelo preto escorrido até os ombros,  aparência indígena mesmo,  sem sequer se despedir dele. A mãe, dona Nenzinha, apenas ordenou, no mesmo dia da viagem, que fizessem as malas pois estavam de partida para encontrar o pai.

A princípio seu Joaquim, pai de Maria, tinha aceito Zé Bento como pretendente. O noivo já tinha separado um cavalo branco e mandado fazer a sela especialmente pra Maria. Mas seu Joaquim não gostava muito da aparência do caboclo, e talvez se sentisse um pouco humilhado pela superioridade financeira do genro, já que ele próprio tinha perdido todo o patrimônio na sêca de 7 anos do Ceará (outro capítulo deste livro). Enfim.. uma noite seu Joaquim fugiu pra Bahia sem dar qualquer explicação nem aviso aos filhos. Apenas ordenou que a mulher o seguisse. Duas semanas depois dona Nenzinha partiu na surdina, como se dizia por lá, ou seja, sem se despedir de ninguém, sem aviso, depois de vender o pouco que tinham. 

Maria ficou inconsolável. Não recebeu qualquer explicação do porque a família estava abandonando o Ceará, nem porque ela não iria mais se casar. Naquela época especialmente no Ceará, namoros se resumiam a alguns olhares na missa de domingo. Quando o rapaz decidia ir em frente, devia pedir a moça em casamento ao pai. Maria, por exemplo, nunca tinha falado com Zé Bento, seu contato com ele se resumia a servir o café quando o noivo visitava a casa dos pais no domingo. Caso ela se demorasse na sala, o pai dava uma rosnada limpando a garganta e ela sumia pra cozinha ou pra onde quisesse, mas não podia continuar na sala.

Este é o cenário: Maria revoltada com o pai, esperando o "vapor" em Petrolina, mas em 1937, no nordeste brasileiro, ela tinha que engolir em sêco e fazer a vontade dos pais. No entanto, ela prometeu a sí mesma que fugiria no caminho com o primeiro que a quisesse e que jamais chegaria à Bahia. Gênio forte e o cão ajuda, como ela mesma costumava dizer décadas depois. Muito bonita nos seus 18 anos de idade, loira, olhos verdes, cabelo brilhante pela cintura, a cearense do Crato não precisou de muito tempo pra arrumar pretendente. Na verdade Luis Severino a notou no segundo dia e se apaixonou.

A família devia aguardar por 5 dias a volta do único barco à vapor que servia de travessia pelo São Francisco, de Petrolina à Bahia. Todos dependiam do 'vapor": o povo, animais,  mercadorias e tudo mais que precisasse passar do território pernambucano ao baiano, e vice-versa.  A família se hospedou numa pensão e Maria pensou que estava com sorte, 5 dias era tempo suficiente pra ela conseguir seu intento: fugir! 

Enquanto a família aguardava o "vapor" na pensão, Luis a vê e se apaixona perdidamente. Ele pernambucano já com 26 anos, olhos azuis, baixinho, bom comerciante, já tinha uma pequena fortuna: casa, ponto comercial, empregados, dinheiro.. não era pouca coisa. Luis negociava alí no porto tudo que podia, comprava o que chegasse no "vapor" e revendia na cidade. Era conhecido e bem quisto em Petrolina.

Falar com uma moça naquela época no nordeste brasileiro, era quase um crime, mas ele deu um jeito de mandar um recado e falar com Maria por alguns momentos. E a pediu  em casamento, ao que ela retrucou que jamais a mãe concordaria sem a presença do pai que estava na Bahia, e que o pai dificilmente concordaria com o casamento deles. “Meu pai te mata!” disse Maria, que já tinha um plano. Não pretendia chegar do outro lado do Rio São Francisco, então tratou de pintar os pais da forma mais intransigente possível. 

Então ele propôs: "foge comigo! a gente "joga uma pedra no padre", e ele faz o casamento." Jogar uma pedra no padre significava  inventar uma estória e dar algum dinheiro ao vigário, que faria o casamento sem muitas perguntas nem a presença dos pais ou responsáveis. Ela concordou, não porque estivesse apaixonada, mas por vingança contra os pais. Ela amava o caboclo que tinha ficado pra trás e do qual ela não sabia o destino. Combinaram que na noite seguinte fugiriam, quando todos na pensão estivessem dormindo. Depois que a mãe dormiu, ela arrumou o pouco que tinha numa mala e se deitou na rede pra esperar a hora combinada. Cochilou mas "algo" balançou a rede, evento bem estranho segundo Maria... ela acordou e saiu pra ver se Luis tinha chegado e lá estava ele. Ela pegou a mala e partiram na escuridão, coração aos pulos, de mêdo, excitação pelo desconhecido e satisfação por realizar sua vingança.

Luis já era homem vivido, 26 anos.. claro que ele tentou se aproximar dela e beijá-la. Mas Maria era uma fera indomável, pulou e o ameaçou com uma faca que levara escondida nas roupas: "em mim você não toca! vem pra vê!".  Ele se apavora: "não Maria, pode confiar, não vou fazer nada a você!  Vou levá-la até a casa de amigos, ele é delegado de polícia e você fica com a esposa dele até o casamento. Eu garanto, não vou lhe fazer mal."  

Ela já estava arruinada, se alguém tivesse acordado e dado por sua falta, nada a livraria de tomar uma surra ou coisa pior. Não tinha opção, aceitou ir até a casa de dona Mariinha. Lá chegando foi recebida com carinho pela mulher. O casal já estava avisado das intenções de Luis e tinham se preparado para receber a noiva. Percebam que ele era homem rico e bem relacionado, era solteiro, vivia sozinho na cidade.  Maria  ficou sob a proteção do delegado e de sua mulher. Interessante é que seu Joaquim nesta noite em que Maria fugiu, sonhou que a matava com um machado, segundo ela soube anos depois.

Enquanto isso dona Nezinha acorda na pensão e não encontra a filha.. procura na vizinhança mas Maria estava escondida na casa de dona Mariinha e seu marido delegado, aterrorizada por perceber o que tinha feito com a família e consigo mesma, não se atrevia a por a cara na rua. A mãe a procura por mais 2 dias, sem sucesso, o vapor chega e ela tem que partir com os filhos restantes, Josefa, Luis e Juciê (nome de batismo de João Passos). Então manda um telegrama pro marido, nos seguintes termos: "Chego em 3 dias. Maria fugiu." 

Luis Severino gastou um bom dinheiro pra conseguir uma certidão de nascimento pra Maria, que nem isso tinha. Pagou pro padre, pro delegado, no cartório e sabe-se lá pra quantos mais, e conseguiu realizar o casamento. Lá se foram morar na casa de Luis, uma casa grande de esquina. A família dele morava longe, só ficaram sabendo do casamento dias depois do fato consumado. Então o pai de Luis vai até a casa do filho quase dois meses depois para conhecer a nora. Ela muito temerosa do que o sogro pudesse pensar após um casamento desastrado daqueles, o trata com muito cuidado. 

Maria já tinha percebido que o marido, Luis, era meio doido, muito nervoso. Macho nordestino rico, acostumado a mandar e ser obedecido, tava sempre reclamando por qualquer coisa. Maria ficava quieta, afinal nunca tinha saído da casa dos pais, só conhecida a convivência com a família, e agora dependia exclusivamente do marido. Sentia-se triste, já estava arrependida de ter fugido. Mas foi cordata e educada principalmente para receber o pai do marido, fez tudo que sabia na cozinha. Ele trouxe  carnes, feijão de corda, vinho.. ela cozinhando e Luis procurando o saca rolhas.

Nada de encontrar e ele ficando cada vez mais irritado, começa a acusá-la de ter perdido o saca rolhas. Xinga ela de peste bubônica e outros palavrões típicos do nordeste. Ela com vergonha do sogro assistindo tudo aquilo, fica calada, ela e o sogro não dão um pio. Mas Luis se exalta cada vez mais e ameaça dar nela com um chicote de bater em cavalos. O chicote estava num prego atrás da porta e Luis enfurecido pega a peça declarando que vai dar uma surra em Maria. Nessas alturas o sangue dela já tinha subido, além de envergonhada, estava furiosa pensando: “eu vou matar esse sujeito estúpido, desgraçado!” 

Enquanto ele pega o chicote, ela pega a espingarda dele que estava num canto da cozinha e começa a mirar bem no meio dos olhos dele! Maria tinha decidido que ia atirar bem no meio dos olhos. Enquanto ela aponta a arma e aguça a mira, o sogro finalmente reage, vai por baixo e empurra a espingarda pra cima bem no momento que ela puxa o gatilho. O tiro pega no teto. Maria já estava completamente fora de sí pensando que apanhar daquele infeliz, ela não ia mesmo. Luis está de olhos arregalados, completamente pálido e sem ação, olhando pra ela como se a visse pela primeira vez.

Então, o sogro, que até o momento não tinha dito uma palavra sequer pra acalmar o filho, declara: "meu fio! vamu simbora pruque ocê num casou com uma mulé, ocê si casô foi com uma lampiona!"  (lampiona: referência ao cangaceiro Lampião). Luis estava assustado, pegou o paletó e o chapéu, e lá se foram os dois com destino desconhecido por Maria. 

Ela ficou arrasada.. sozinha no mundo, sem saber qual seria seu destino depois daquilo. Mas pensou de maneira prática: “tem muita comida aqui, vou almoçar, tô cum fome. Aqui tem o suficiente pra eu comer por um bom tempo. Com fome não vou ficar, ele que se dane e volte quando quiser.” 

Passaram-se dois, três, 5 dias e nada de Luis aparecer. Ela começou a se sentir livre pela primeira vez na vida, ninguém pra lhe mandar! oras, isso é que é vida! pensou. 

No quinto dia ela decide dar um passeio pela vizinhança, mas estava com vergonha de sair de dia. Vergonha e medo dos vizinhos. E outra, mulher direita não andava sozinha nas ruas. Decide, então, sair de noite. Veste as roupas dele, o terno, sapatos, prende o cabelo e encaixa o chapéu na cabeça. De noite no escuro, parece um homem. Poe uma faca na cinta e sai decidida a respirar em liberdade. Enquanto caminha sem destino certo, escuta as pessoas da vizinhança, mulheres e crianças que ficavam sentadas nos quintais conversando sob a luz da lua, dizerem: "lá vem um homem!". Afinal um homem era figura muito respeitada naquela época e paragens. Ela se sentiu feliz e livre, assobiando e andando como um macho, pisando firme, determinada.

Bem.. depois de quinze dias Luis volta pra casa desconfiado, nem toca no assunto do tiro. Pergunta se está tudo bem, ela diz que sim e iniciam então sua vida em comum. Ele mais comedido afinal não tinha casado com uma mulher qualquer, além de bonita ela era brava como a gota serena! 

Segundo ela, ele nunca mais ameaçou agredí-la, era nervoso, xingava, mas bem mais comedido. E o sogro?  voltou a visitar a casa deles com os outros irmãos de Luis, meses depois. Nunca frequentou a casa do filho, nem demonstrou apreço por Maria nos 6 anos que viveram juntos até a morte de Luis. Maria tinha 24 anos quando ficou viúva, teve 4 filhos, só a última sobreviveu. Mas isso é outra estória.

 

Parte do livro ESTÓRIAS NORDESTINAS
Marcia Rodrigues – São Paulo – SP
Brasil - 2015


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Marcia Rodrigues

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sábado, 2 de julho de 2016

Farewell to Sibipiruna tree

Waking up, especially on weekends, when the noise was reduced, was wonderful! I used to get a few minutes listening to the birds - dozens of them - singing and interacting in that huge sibipiruna. Its imposing beauty in its more than 20 meters high, strong branches, dark green leaves, attracted many types of birds: parakeets, coleiros, tanagers, oranges, bentevis ... everyone had a good branch on that giant "green community" to land and singing lustily!



I used to say that the neighbors were angry because the parakeets seemed discuss among themselves. There was always few of them chirping, as they were complaining about something. But overall, they sang, talked and celebrated, probably their beautiful house!



Month after month I registered the changes in our dear sibipiruna, admiring its imposing beauty and imagining all the things witnessed in its mute contemplation. There were more than 100 years of existence. The Belenzinho has 124 years.



But the farewell time has come: last week (June 26 to July 2, 2016)  the men of pruning and tree removal industry, began to cut the branches. It took 6 days to cut down the tree. Just then we heard the "disease" of sibipiruna, and the risk that its gigantic size accounted for the site. During the week we witnessed it´s end, many of us with tears, the overthrow of the best neighborhood being. Better, yes, because as humans we all have faults, unlike trees that make your silent and effective work without a complaint.



All we got is to say goodbye and thanks for many years of good free work. I can´t stop thinking that if we, humans beings, had paid more attention to it, if we had asked for help to a professional.. anyway.. maybe the sibipiruna would not got so sick. We only admired and rely on it as if it were eternal.



Goodbye dear tree .. eternal gratitude for your existence! its absence reveals terraced houses, ugly and sad .. and a hole that looks like an open wound on the sidewalk.

Adeus à Sibipiruna

Acordar, especialmente nos fins de semana, quando o barulho estava reduzido, era uma delícia! Eu costumava ficar alguns minutos ouvindo os passarinhos - dezenas deles - cantando e interagindo na imensa sibipiruna. Sua beleza imponente em seus mais de 20 metros de altura, galhos fortes e fartos, folhas verde-escuro, atraíam muitos tipos de pássaros: periquitos, coleiros, sanhaços, laranjinhas, bentevis... todos tinham um bom galho pra pousar e cantar a plenos pulmões, naquele gigantesco "condomínio verde" !


Eu costumava dizer que os vizinhos estavam irritados, porque os periquitos pareciam discutir entre sí. Sempre havia um piando num tom mais alto, como se estivesse reclamando de alguma coisa.  Mas no geral, eles cantavam, conversavam e celebravam, provavelmente por ter aquela bela casa!


Mês após mês eu registrei as mudanças na querida sibipiruna, admirando sua beleza imponente e imaginando todas as coisas que ela havia testemunhado, em sua muda contemplação. Eram mais de 100 anos de existência. O Belenzinho tem 124 anos.


Mas chegou o momento do adeus: semana passada (26 de junho a 2 de julho de 2016) chegaram os homens do setor de poda e remoção de árvores, e começaram a cortar os galhos. Foram 6 dias cortando galhos. Só, então, ficamos sabendo da "doença" da sibipiruna, e do risco que seu tamanho gigantesco representava para o local. Durante a semana assistimos, muitos de nós com lágrimas nos olhos, a derrubada do melhor dos seres da vizinhança. Melhor, sim, porque enquanto humanos todos temos defeitos, ao contrário das árvores que fazem seu trabalho silencioso e eficaz, sem uma queixa. 


Só nos restou a despedida e o agradecimento por tantos anos de bom trabalho gratuito. Não posso deixar de considerar que se nós, humanos, tivéssemos prestado mais atenção nela, se tivéssemos pedido ajuda para um profissional.. enfim.. talvez ela não ficasse tão doente. Mas só a admiramos e contamos com ela, como se fosse eterna.



Adeus querida árvore.. eterna gratidão pela tua existência! sua ausência revela as casas germinadas, feias e tristes.. e um buraco, que mais parece uma ferida aberta, na calçada.